Pequena Cartilha da Trova
PEQUENA CARTILHA DA TROVA
(Arlindo Tadeu Hagen)
1 – Definição
Na paixão em que me abraso
tanto sol tem minha estrada,
que eu não troco o meu ocaso
pela mais linda alvorada!
Alcy Ribeiro Souto Maior
Esta composição poética é uma trova porque:
- tem quatro versos, ou seja, linhas. Assim como o soneto tem quatorze versos, o haicai três, a trova tem a forma fixa de quatro versos. Se tiver mais ou menos que quatro versos jamais será uma trova;
- todos os quatro versos devem ser setessílabos, ou seja, devem ter sete sílabas poéticas – as sílabas poéticas são diferentes das sílabas gramaticais, como veremos adiante;
- o 1º verso rima com o 3º e o 2º com o 4º; no caso a primeira rima é ASO (1º e 3º versos) e a segunda é ADA (2º e 4º versos). Também adiante maiores informações;
- tem sentido completo – a trova deve ser perfeitamente compreensível neste espaço. Não deve necessitar de outras trovas antes ou depois, textos explicativos, título ou outras observações adicionais. A trova deve bastar por si só.
Portanto, a definição atual mais correta de trova é “COMPOSIÇÃO POÉTICA DE QUATRO VERSOS SETESSILÁBICOS, RIMANDO O 1º COM O 3º VERSO E 0 2º COM O 4º, TENDO SENTIDO COMPLETO”.
Apesar disto, são encontrados em nosso cancioneiro verdadeiras obras-primas de trovas que não rimam o 1º com o 3º verso. São as chamadas trovas de rimas simples. A verdade é que depois do movimento trovadoresco atual, o tempo e, sobretudo os Concursos de Trovas e Jogos Florais aprimoraram o modelo, oficializando a forma mais conhecida atualmente.
Alguns exemplos de trovas de rimas simples:
Até nas flores se encontra
a diferença da sorte:
umas enfeitam a vida,
outras enfeitam a morte.
JERÔNIMO GUIMARÃES
Desconfio que a saudade
não gosta de ti, meu bem.
Quanto tu vens, ela vai.
quando tu vais, ela vem.
LUIZ OTÁVIO
Não choro a minha cegueira,
choro a falta do meu guia;
minha mãe quando era viva
eu era um cego que via.
TITO BARROS
2 – Métrica
A primeira coisa que deve ficar bem clara quando se fala em metrificação de versos é que na poesia contamos sons e não sílabas. Na trova não é diferente e quando dizemos que a trova deve ter sete sílabas, fica bem claro que queremos dizer sete sons ou sete sílabas fônicas.
São várias as diferenças entre as sílabas gramaticais e as sílabas fônicas, onde destacamos:
- na poesia só contamos até a última sílabas tônica (som mais forte) da última palavra de cada verso, desprezando os demais sons. Se, por exemplo, o verso terminar com a palavra PÁSSARO, a sétima (e última) sílaba do verso deve ser “PÁ”. Se terminar com TROVA será “TRO” e se for AMOR será “MOR”.
Trova exemplo – de Durval Mendonça
Trabalha, filho, trabalha,
põe a semente no chão!
É promessa que não falha
na certeza de ser pão.
Pode-se notar que as sétimas sílabas caem sobre as sílabas “BA”, “CHÃO”, “FA” e “PÃO”, parando aí a contagem.
- No caso citado não houve nenhuma vogal próxima de outra mas quando isto ocorrer temos que estar atentos para fazer corretamente a fusão. Fusão ou elisão é a união de duas vogais (ou h) quando, estando próximas, geram um único som pois são pronunciadas conjuntamente. Geralmente a vogal forte absorve a vogal fraca anterior ou posterior. Ou então duas vogais fracas se unem formando uma sílaba só.
Trova exemplo – de Waldir Neves
Posso jurar de mãos postas,
Pesando o que já passei,
Que as mais difíceis respostas
Foi em silêncio que eu dei.
- Há também o caso das vogais que aparecem juntas na mesma palavra. Basicamente são dois casos:
§ quando pronunciadas, as vogais formam sons distintos, sendo facilmente reconhecido que formam sílabas diferentes. É o caso das palavras como covardi-a, lu-a, perdo-a, etc.
§ quando não for tão fácil perceber pelo fato de variar a pronúncia. São os casos de criança, poente etc... Aí o autor é soberano e deve optar pelo uso de cri-an-ça ou crian-ça, po-en-te ou poen-te.
Para exemplificar citaremos duas trovas vencedoras dos X Jogos Florais de Nirerói, sob o tema “Moinho”:
Passa o tempo... e no caminho,
a gente vê, de repente,
que o tempo se fez moinho
moendo a vida da gente...
Trova de Aloisio Alves da Costa, contando “mo-i-nho”
Nossos destinos bendigo,
velho moinho, meu irmão:
os meus versos, o teu trigo,
são ao mundo sonho e pão!
Trova de Jacy Pacheco, contando “moi-nho”
Outro caso que gera algumas dúvidas quanto à metrificação é quando aparecem consoantes mudas como advogado, apto, benigno, cactus, etc. Neste caso, segundo o Decálogo de Metrificação, só há uma solução correntemente aceita como correta: contar como se a consoante não existisse, já que na divisão gramatical a consoante muda deve compor a sílaba sempre com a vogal anterior.
Trova exemplo – de Alfredo Alisson Valadares
Em meio às paixões fictícias
de minha vida agitada,
comprei milhões de carícias
e continuo sem nada.
No caso acima, a divisão silábica fica assim: “Em/mei/o às/pai/xões/fic/ti/cias
Trova exemplo – de Graziella Lydia Monteiro
Num país onde a cobiça
só admite seus preceitos
o direito de justiça
sempre é o menor dos direitos.
Neste caso contamos: só/ad/mi/te/seus/pré/cei/tos.
3 – Rima
Um dos elementos indispensáveis na trova é a Rima. Por isto ela merece um pouco a nossa atenção e sobre ela teceremos algumas considerações. Rima de uma palavra qualquer é o som que se inicia na vogal da sílaba tónica e vai até o final desta palavra. A rima de “fim” por exemplo é “im”, de “gente” é “ente”, de “dúvida” é “úvida” e assim por diante.
A chamada rima de cada verso é a rima da última palavra deste verso e quando duas palavras tem rimas iguais, dizemos que elas rimam entre si. Desta forma “porta” rima com “morta”, “flor” com “amor”, “partida” com “vida”, etc..
As rimas tem diversas classificações que podem ser encontradas em qualquer tratado de versificação. São elas: pobres ou ricas, raras, preciosas, esdrúxulas, etc. Não entraremos em detalhes sobre estas considerações neste estudo rápido. Há quem acredite que rimas difíceis enriquecem o verso. Para a trova, no entanto, isto não ocorre porque, sendo espontânea e de gosto popular, o melhor é que suas rimas sejam bem naturais. O importante mesmo é que elas estejam perfeitamente encaixadas no contexto da trova e não entrem apenas para “rimar”.
Lembramos que a trova mais conhecida da língua portuguesa tem rimas extremamente simples:
Trova exemplo – de Barreto Coutinho
Eu vi minha mãe rezando
aos pés da Virgem Maria.
Era uma santa escutando
o que outra santa dizia.
Todo trovador deve ter, para consulta, um Dicionário de Rimas, Citamos os mais fáceis de se encontrar:
- Dicionário de Rimas, Costa Leite;
- Dicionário de Rimas, de Guimarães Passos;
- Dicionário de Rimas da L[íngua Portuguesa, de José Augusto Fernandes;
- Arrimo, de Lóla Prata.
4 – Exemplos
Meu lenço, na despedida,
tu não viste em movimento.
Lenço molhado, querida,
não pode agitar-se ao vento...
Carlos Guimararães – ex presidente nacional da UBT
Prossegue a cantar, insiste,
mesmo a sofrer e a chorar,
que pior que um canto triste
é uma vida sem cantar!
Luiz Otávio – Príncipe da Trova
Minhas netas, sempre rindo,
são meu alegre evangelho.
Musgo verde revestindo
de esperança um muro velho.
Lilinha Fernandes – Rainha dos Trovadores Brasileiros
Oh, linda trova perfeita
que nos dá tanto prazer!
-Tão fácil, depois de feita...
-Tão difícil de fazer...
Adelmar Tavares – Rei dos Trovadores Brasileiros
5 – União Brasileira de Trovadores
A UBT – União Brasileira de Trovadores - é a entidade que congrega os trovadores do Brasil, com representações em diversos países do mundo também. Fundada em 1966 por Luiz Otávio, está distribuída por todo o território nacional em seções (grupos maiores de trovadores) e delegacias (com poucos trovadores, às vezes apenas um). A Rosa vermelha é o símbolo da entidade, São Francisco de Assis, o Padroeiro dos Trovadores e o Dia do Trovador é comemorado em 18 de julho por ser o nascimento de Luiz Otávio.
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